Foto: Elizângela Santos
Foto: Elizângela Santos
O acervo é de peças confeccionadas pelo artesão que, pelo primor do trabalho, já ganhou as passarelas da moda
Nova Olinda. O Museu do Couro está sendo criado na
cidade de Nova Olinda por um dos maiores artesãos do couro do Brasil. O
mestre da Cultura, Espedito Seleiro, teve a iniciativa a partir das sua
própria história de vida, com uma tradição de família, de várias
gerações. Prestes a chegar aos 75 anos, o artesão pretende inaugurar o
espaço no mês de outubro deste ano. Já confeccionou mais de 30 peças. O
material revela as nuances de cada região do Nordeste, contando além da
história do ciclo do couro, um pouco da trajetória do homem do sertão
nordestino.
O trabalho conta com a parceria do diretor da Fundação Casa Grande,
Alemberg Quindins, que vem desenvolvendo o projeto junto com Espedito.
Ele destaca a importância de preservar essa memória. Até o momento, toda
a iniciativa vem tendo investimentos particular.
A casa, que irá sediar o Museu do Couro, fica no Centro da cidade, na
Rua Jeremias Pereira, próximo à Fundação Casa Grande e à margem do velho
caminho de aboio. O memorial conta a história dos primeiros povoadores
da região, o homem Kariri.
O trabalho para a montagem do museu tem sido minucioso. As peças em
couro vêm sendo confeccionadas pelo artesão. Lembranças da infância são
recorrentes, desde as primeiras lições do ofício do seu avô e do pai,
Raimundo Seleiro e Gonçalves Seleiro. Uma máquina de ferro, que ele
chama de bigorna, com mais de 100 anos, e não se sabe a origem do local
de fabricação, será inserida no acervo do museu. O equipamento vem sendo
utilizado desde o seu avô. A família traz um história de produção de
artigos em couro para os cangaceiros do sertão.
Segundo Espedito, atualmente é bem mais difícil viver da vendas das
celas, mas ainda insiste em fabricar. Algumas delas pode ter duração de
até 30 anos. As motocicletas são usadas para o aboio, diminuindo mais
ainda a possibilidade de viver desse artigo e dos gibões e chapéus. A
saída foi mesmo a fabricação dos calçados, incluindo sandálias e
sapatos, bolsas coloridas, que tornaram o artesão um dos mais famosos do
Estado, estando presente em passarelas nacionais e internacionais, com a
inspiração dos seus artigos. Ano passado, durante exposição no Rio de
Janeiro, chegou a vender, em apenas um dia, todo o material que levou
para expor.
Na verdade, foi a saída para a confecção do material em couro e a
manutenção de uma tradição familiar, que garantiu o sustento dos seus 10
irmãos, e agora boa parte da família está envolvida nas atividades de
fabricação e comercialização. Uma loja foi inaugurada no ano passado na
cidade, com o seu nome, e a oficina fica na mesma rua.
Para seu Espedito, o museu é a realização de um sonho e a
materialização do que possui hoje apenas na memória. "Isso não pode se
perder", afirma ele. São celas da parte dos Inhamuns, Cariri e até
modelos especiais confeccionados para os ciganos. Poderá ser fechada a
parceria com o Ministério da Cultura na aquisição dos mostruários. Mas
nada ainda foi firmado. Um projeto deverá ser desenvolvido nesse
sentido.
Alemberg Quindins foi um dos que incentivou Espedito Seleiro a
confeccionar as sandálias que remetiam à história do cangaço, mas de
forma reestilizada. Para isso, entrou o colorido, suavizando o material
em couro cru com a cor ocre. Ele irá doar o calçado para o museu. Além
do Museu, uma das salas do equipamento contará com a Oficina-Escola
Espedito Seleiro, equipada com máquinas. No local, o próprio artesão
ensinará o ofício para a garotada de Nova Olinda. Alemberg Quindins
destaca uma trajetória que será traçada para descrever a história do
ciclo do couro, passando pela serra dos Cariris Novos, no Piauí, Tauá,
até a chegada no Cariri cearense.
Passarelas
O projeto é uma parceria também com o Geopark Araripe, por meio da
Associação Expedito Seleiro. A Casa Grande estará responsável pela
montagem do museu. O trabalho envolve pesquisa, que insere a história do
ciclo do couro, desde a Bahia, vindo da Casa da Torre, de Garcia
D'ávila, Oeiras, no Piauí, passando pelo Cariri. A casa-sede do Museu
traz a fachada das edificações sertanejas.
O artesão do couro já chegou às passarelas de nível internacional, como
a São Paulo Fashion Week, onde participou de um desfile da Cavalera.
Também esteve com a sua criação em filmes brasileiros. Para Espedito, a
cultura sertaneja vive um momento de evidência. Ele e os seis filhos
realizam o trabalho, comandado pela criatividade do mestre. As
exigências do mercado e a busca da sobrevivência foram os principais
apelos para ele criar e recriar em cima de uma realidade inovadora.
Aos 74 anos, 63 deles dedicados à arte, Espedito Seleiro diz que alguns
objetos e material de trabalho, tanto do seu pai como do avô, estarão
expostas no Museu do Couro. "Quero que essa história continue. Essa
cultura precisa sobreviver", afirma ele. O artesão já teve exposições
suas no Rio de Janeiro, Recife, além de São Paulo.
O seu trabalho também está inserido em espaços permanentes de exposição
em outros estados. "É uma oportunidade do meu trabalho chegar mais
perto das pessoas de outras localidades, que não podem vir até o Ceará",
ressalta.
A inspiração que vem do sertão e da sua própria forma de vivência é
algo que deve permanecer num espaço de comercialização, que tem um
público formado. Como artesão, seu Espedito diz que mesmo com a
popularidade do trabalho não dá para ganhar muito dinheiro. Isso por ser
artesanal, detalhado, que exige um tempo para ser confeccionado. A
alegria de chegar em casa com novos pedidos de artigos empolgam o homem
que tem dedicado sua vida a arte de promover junto da sua criatividade, a
cultura do sertão.
Ela acorda cedo para desenvolver as suas peças cheias de cores. Todos
os dias, às 4 horas da manhã. O trabalho não era fácil, principalmente
para atender o exigente público feminino. Mas, hoje, há uma adaptação
natural e ele agrada em cheio. O seu espaço de produção passou a ser não
apenas um local de comercialização, mas um ponto turístico de uma arte
diferenciada e inconfundível com a sua marca.
(E.S)
Fonte: Diário do Nordeste